Somos "Barbies psicóticas".
- Otávio Henrique Corrêa de Jesus
- 28 de mai.
- 3 min de leitura
Uma geração plastificada, que tenta anestesiar a dor, mascarar a verdade e viver sem sentir. Somos bonecos funcionais, sorrindo por fora e desmoronando por dentro.

Era pra ser só um brinquedo. Uma boneca de plástico, sorriso engessado, cintura irreal, pernas longas que desafiam qualquer lógica óssea. Mas, sem perceber, a humanidade olhou pra Barbie e, em algum ponto da história, decidiu se tornar igual. Perfeita. Impecável. Plástica. Sem dores, sem defeitos, sem rugas na pele, nem na alma. Só que diferente da boneca, que fica quieta na prateleira, nós nos tornamos bonecos em carne e osso, rodando pelo mundo com a pretensão absurda de viver sem sentir. Sem sofrer. Sem falhar.
A geração que mais fala sobre saúde mental é, ironicamente, a mais adoecida. A que posta frases sobre autocuidado é a mesma que sufoca crises de pânico entre uma reunião no Zoom e um story no Instagram. A que repete mantras de “seja sua melhor versão” arrasta, no fundo do peito, um esgotamento que nem três litros de chá de camomila resolvem. Todo mundo sorrindo pra fora e gritando pra dentro. Todo mundo cheio de likes e vazio de sentido.
O mundo virou um hospital psiquiátrico a céu aberto. Mas não daqueles antigos, com gente gritando, arrancando os cabelos ou batendo cabeça nas paredes. Não. É mais sofisticado. Somos psicóticos funcionais, delirando alto enquanto pagamos boletos, batemos metas, postamos reels e cuidamos dos pets que substituem vínculos que não conseguimos mais sustentar. Deliramos que podemos ser autossuficientes, que não precisamos do outro, que amor é opcional, que casamento é prisão, que filho dá muito trabalho, que envelhecer é um erro biológico, que sofrer é sinal de fracasso.
E no fundo, todos sabemos que estamos mentindo. Fingimos que está tudo bem, que a vida é leve, que é só gratidão. Enquanto isso, o peito aperta. A ansiedade morde. A tristeza escorre nos olhos disfarçada de filtro bonito. A insônia chega às três da manhã pra lembrar que, por mais que você finja, sua alma sabe. Sabe que tem alguma coisa errada. Sabe que esse script não cola. Que essa felicidade embalada a vácuo não nutre. Que essa vida perfeita não sustenta.
O problema nunca foi o sofrimento. O problema é que ensinaram pra você que sentir dor é defeito de fábrica. Que tristeza é doença. Que solidão é fracasso. Que se você não está feliz, pleno e abundante 24 horas por dia, tem algo muito errado com você. Mentiram pra você. Mentiram pra nós. Porque viver dói. Crescer dói. Amar dói. E só quem se permite atravessar essas dores é que realmente vive. O resto, sobrevive. Empacotado numa existência de plástico, limpinha, cheirosa, instagramável, porém oca.
No fundo, somos crianças abandonadas em corpos adultos, tentando preencher com coisas, viagens, sexo, comida, academia, séries, o buraco que foi cavado pela falta de amor, de colo, de verdade, de pertencimento. No fundo, somos aquela criança que não aprendeu a lidar com o próprio choro e, então, cresceu acreditando que sentir é fraqueza. Que se abrir é perigoso. Que mostrar fragilidade é dar munição pro outro te ferir.
E é por isso que hoje tá todo mundo armado. Todo mundo na defensiva. Todo mundo pronto pra cancelar, pra cortar, pra sumir, pra fingir que não sente, que não sofre, que não precisa. Porque admitir que precisa é rasgar esse figurino de Barbie emocionalmente blindada que vestimos sem perceber.
Mas, talvez, o início da cura seja exatamente esse: admitir. Admitir que dói. Que cansa. Que falta. Que a vida não é um feed bonito, nem um roteiro de filme motivacional. Que, sim, há dias que a gente desaba, que não quer levantar da cama, que não aguenta mais fingir força onde só existe esgotamento. E tudo bem. Isso se chama ser humano.
A sanidade começa quando a gente destrói a Barbie que mora dentro da gente. Quando a gente olha pro espelho e, ao invés de buscar a perfeição, começa, enfim, a buscar a verdade. Porque a verdade não é bonita o tempo todo. Mas ela é o único lugar onde a vida é, de fato, possível.
Por Otávio de Jesus, Psicoterapeuta.

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